pokerstars - A delação premiada é um sintoma da nossa falência moral

Mauro Cid vai delatar. Viva. Finalmente chegaremos à verdade sobre os métodos utilizados pela administração de Jair Bolsonaro. É a redenção. O ajudante de ordens, o cara que estava ao lado de Jair e de tudo sabe, vai falar.
A delação em si não vale absolutamente nada. A delação em si é apenas a palavra de alguém que já cometeu um crime. Ela é um meio de obtenção de provas.
Uma delação, portanto, só vale quando combinada com provas, indícios, evidências.
Então, o que Cid disser, até ser verificado, é praticamente a mesma coisa que nada.
Que estejamos na situação de celebrar delações me parece uma questão digna de reflexão.
Delatar, minha tia Loli me ensinou, é a coisa mais baixa, indecente e imoral que você pode fazer. Loli era dona de um colégio e ficava muito mais enfurecida com delatores do que com crianças endiabradas e incontroláveis.
Hoje a delação é celebrada.
A delação premiada, no limite, diz que alguns crimes podem ser cometidos porque, se eu for flagrada, basta delatar.
É a união de todas as coisas indecentes.
Pode parecer o fundo do poço, mas a Lava Jato provou que o fundo desse poço era de gesso: havia mais fundo.
As delações obtidas pela Lava Jato além de terem sido repassadas para a imprensa por procuradores como verdades absolutas, e de serem repercutidas por alguns jornalistas com esse mesmo selo, agora sabemos foram obtidas sob coação.
Não se tratou apenas de um esquema de vazar delações ainda não comprovadas. Eram delações obtidas ilegalmente.
Na Lava Jato, procuradores queriam ouvir delações muito específicas, queriam nomes citados, queriam que suas convicções fossem confirmadas pela voz dos que estavam presos. Se era verdade ou mentira não importava. Falem em Lula. Falem no PT. Incriminem nossos inimigos.
Na Lava Jato, houve inúmeras prisões preventivas feitas apenas para que delações desejadas fossem colhidas.
Há denúncias de detidos proibidos de ver familiares, de tomar sol, de tomar banho. Era nesses termos que as delações eram colhidas, com indicações de nomes e situações que deveriam constar do depoimento. Na letra, a gente pode falar em tortura.
Assim foram obtidas as delações.
Valem?
Podemos usar o que foi dito para justificar a importância da operação? Podemos usar trechos para justificar que a Lava Jato teve lá sua relevância? Ou devemos, por ética, descartar absolutamente tudo?
Eu fico com o segundo caminho.
Agora a coisa mudou: temos delações obtidas de outras formas. Dentro da lei. Dentro dos direitos humanos. De acordo com as normas.
São legais? Sim. São legítimas? Eu não sei responder.
Me parece realmente uma falência moral celebrarmos esse tipo de recurso.
O que Jair Bolsonaro fez com a população brasileira não tem defesa. Ele será processado e condenado por algumas delas certamente. No caso das ações de Bolsonaro nem precisaríamos de delações eu diria. Há fartura de provas, indícios, evidências. Mas talvez não saibamos mais processar sem delações e elas estão a caminho.
Loli, lúcida e ativa aos 94 anos, não deve estar gostando.
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