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Covid: condenação de defensores do tratamento precoce é alento para ciência

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Durante os três anos de pandemia da covid-19, muitos profissionais da saúde se destacaram na linha de frente do combate ao coronavírus. Mas, infelizmente, houve uma ala de profissionais que chamou a atenção por propagar informações inverídicas, como o mito de que existia um tratamento precoce contra a covid-19 ou notícias falsas de que a vacina faria mal à saúde.
Mesmo com todo o estrago provocado por esses profissionais, muita gente acreditava que eles ficariam impunes. No entanto, na última semana, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul condenou um grupo de defensores do chamado "tratamento precoce" contra a covid a pagar R$ 55 milhões por danos morais e coletivos à saúde.
A Justiça atendeu a duas ações impetradas pelo MPF (Ministério Público Federal) contra os réus. A Associação Médicos Pela Vida, a Vitamedic Indústria Farmacêutica (fabricante da ivermectina), a Unialfa (Centro Educacional Alves Faria) e o Grupo José Alves foram denunciados pelo MPF.
A decisão é um alento para a ciência e para todo mundo que lutou pela saúde da população durante a pandemia.
Para relembrar os danos causados pelos defensores do tratamento precoce e falar da importância dessa condenação, conversei com a médica e professora Rosilene de Melo Menezes (CRM 53205 e RQE 33320), doutora em ciências pela USP (Universidade de São Paulo) na área de oncologia, com especialização em cirurgia de cabeça e pescoço.
Gustavo Cabral - Como foi lidar com esses profissionais negacionistas durante a pandemia? Você já tinha enfrentado situação parecida durante sua carreira médica?
RosileneMenezes- Infelizmente, talvez por conta da polarização política que vivemos, a pandemia também foi vivenciada de uma forma polarizada.
Em quase 40 anos de formada como médica e 60 anos de idade, vivenciei a epidemia da meningite na década de 1970, a erradicação da varíola na década de 1980 e a erradicação da poliomielite na década de 1990 no Brasil.
Eu posso atestar, porque vivi esses fatos realmente —tive professores na faculdade com sequelas da pólio. E essas doenças foram erradicadas com a vacina. Na época, ninguém nunca pensou em contestar ou duvidar da ciência, dos cientistas ou das vacinas.
A vacinação é a ação médica mais importante que conhecemos. Mas, no auge da pandemia da covid, tivemos de conviver diariamente com negacionistas —tanto da área da saúde, como médicos que não eram nem especialistas em infectologia, quanto como pessoas fora da área da saúde, que se inspiravam em notícias falsas na internet ou publicadas em sites duvidosos e sem qualquer rigor científico. Essas pessoas contestaram a vacinação em nome do tratamento precoce.
Ainda hoje, convivemos com colegas médicos que não tomaram a vacina. No auge da covid, eles se negavam a usar máscara e isso sempre foi motivo de embate para mim, sempre contestei essa atitude. O uso de máscaras e luvas é um método consagrado de proteção desde o início do século passado. Não há quem entre em centro cirúrgico e não utilize esses acessórios. Então, como um médico pode ser capaz de contestar o uso de máscara na pandemia? Sim, eu fui a "chata da máscara" e do distanciamento social.
Você acha que a condenação desse grupo vai mudar algo na cabeça de quem divulga notícias falsas? Os médicos que agem de forma irresponsável, mais preocupados em interesses pessoais do que coletivos, podem mudar a forma de agir?
RM - Sem dúvidas! O Brasil estava num clima de total impunidade, validado em várias escalas de poder, por uma tática intimidatória de "aqui quem manda sou eu" (no caso, a chefia com abuso de poder) e "eu posso falar o que quiser", um desrespeito às leis básicas civilizatórias de convivência.
Esse grupo "Médicos pela Vida" tem um discurso que parece ciência, mas, ao mesmo tempo, é negacionista da vacina, favorável ao tratamento imediato. Eles apelaram ao Marco Civil da Internet contra a retirada de suas postagens das plataformas digitais.
Veja bem: como em um site que se diz "baseado na ciência" pode ter apenas 40% de médicos com currículo cadastrado na Plataforma Lattes, que é o básico quando você faz a iniciação científica? Esses médicos estão mesmo em contato com a ciência? Qual ciência?
Qual a sua opinião sobre a atuação do CFM (Conselho Federal de Medicina) no combate a ações perigosas de grupos de médicos que se organizaram para divulgar informações falsas e desnortear a sociedade na luta contra a covid-19 e a vacinação?
RM - Em abril de 2020, o CFM publicou o parecer 4/2020, que liberava a autonomia do médico. Isso foi bem no início da pandemia, quando havia poucos estudos sobre a covid-19. No entanto, com o avanço da ciência sobre o coronavírus, esse parecer deveria ter sido atualizado, frente a tantos estudos que contestaram a eficácia do uso de certas medicações que alguns médicos negacionistas defendiam.
Em fevereiro e março de 2021, o CFM apoiou a vacina, posicionando-se também favorável à utilização de máscara. Mas eu e muitos médicos consideramos que essa ação foi um pouco tímida. Sentimos falta de mais apoio. Era necessário uma ação mais firme frente a tantas vidas perdidas e notícias falsas.
Outra ação lenta da entidade foi a solicitação de indenização aos familiares de médicos e profissionais de saúde que perderam suas vidas para a covid-19 ou permaneceram sequelados, algo que só foi aprovado recentemente.
Referências:
1) https://www.scielo.br/j/csc/a/Pz6T7KybnrbncppQMVFq9ww/#
2) https://portal.cfm.org.br
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